quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Descartes e a utilidade da Filosofia

Seguidamente faria notar a utilidade desta Filosofia e mostraria que, uma vez que se estende a tudo o que o espírito humano consegue saber, devemos acreditar que apenas ela nos distingue dos mais selvagens e bárbaros, e que uma nação é tanto mais civilizada e polida quanto melhor os seus homens filosofarem: e assim, o maior bem de um Estado é possuir verdadeiros filósofos. Além disso, para cada homem em particular é útil não só viver com os que se aplicam a tal estudo, mas também que é incomparavelmente melhor que cada qual se aplique a ele, pois vale muito mais servirmo-nos dos nossos próprios olhos para nos conduzirmos e desfrutarmos, por seu intermédio, da beleza das cores e da luz, do que mantê-los fechados e dispor apenas de si próprio para se conduzir. Ora, viver sem filosofar é ter os olhos fechados e nunca procurar abri-los; e o prazer de ver todas as coisas que a nossa vista descobre não é nada comparado com a satisfação que advém do conhecimento daquilo que se encontra pela Filosofia. Finalmente, este assunto é mais necessário para regrar os costumes e nos conduzirmos nesta vida do que o uso dos olhos para nos guiar os passos. Os brutos animais que apenas possuem o corpo para conservar ocupam-se continuamente na procura de alimentos; mas os homens, cuja parte principal é o espírito, deveriam empregar os seus principais cuidados na procura da sabedoria que é o seu verdadeiro alimento. Também estou convencido de que muitos não deixariam de o fazer se tivessem a esperança de o conseguir e se soubessem quanto são capazes disso. Não existe alma, por menos nobre que seja, que, embora fortemente ligada aos objetos dos sentidos, não se afaste algumas vezes deles para desejar outro bem maior, apesar de frequentemente ignorar em que consiste. Aqueles que a sorte mais favorece com saúde, honras e riquezas não estão mais isentos de tal desejo do que os outros; pelo contrário, estou persuadido de que estes suspiram com mais ardor por um bem mais soberano do que todos aqueles que já possuem. (DESCARTES, René. Princípios da Filosofia. Trad. João Gama. Lisboa: Edições 70, s/d. p. 16).

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