MITO, RAZÃO E OS PRÉ-SOCRÁTICOS
História,
problemáticas, escolas e filósofos
A
PASSAGEM DO MITO À RAZÃO
1 –
Mytheo (narrar, contar); Logos (razão, expressão, estudo, narrativa).
2 –
O mito se assenta na autoridade do narrador.
3 –
O mito é fantasioso; o logos é constatável.
4 –
O logos “suplanta” (não extingue) o mito.
5 –
A evolução segue da teogonia, passa pela cosmogonia e chega à cosmologia.
CONDIÇÕES
PARA A PASSAGEM DO MITO À RAZÃO
1 –
As viagens marítimas: contato com outras culturas e compreensões de mundo.
2 –
A invenção do calendário: permitiu perceber que a natureza tinha um ciclo e não
vinculava-se totalmente ao capricho dos deuses.
3 –
A invenção da moeda e da escrita: favoreceu o amadurecimento do pensamento
abstrato.
4 –
O surgimento da polis: obrigou os cidadãos criarem normas para a convivência.
5 –
A invenção da política: aprimorou a dialética argumentativa e criaram-se leis.
CARACTERÍSTICAS
DA FILOSOFIA NASCENTE (PRÉ-SOCRÁTICA)
1 -
Enfraquecimento gradual dos elementos míticos;
2 -
A composição do cosmos sendo unicamente de elementos naturais;
3 -
Que há uma ordem no mundo, regida pelo logos (razão);
4 -
A matéria (natureza, physis) é eterna, não houve o momento da criação;
5 -
O tempo é circular e cíclico;
6 -
Tudo se relaciona ao arquê (primeiro princípio);
7 -
O homem é um microcosmo também regido pelo logos.
TALES
DE MILETO (em grego Θαλής ο Μιλήσιος)
Foi
o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Ele é o marco inicial da
filosofia ocidental. De ascendência fenícia, nasceu em Mileto, antiga colônia
grega, na Ásia Menor, atual Turquia, por volta de 625 a .C. e faleceu
aproximadamente em 558 a .C.
Tales considerava a água como sendo a origem de todas as coisas. E seus
seguidores, embora discordassem quanto à “substância primordial” (que
constituía a essência do universo), concordavam com ele no que dizia respeito à
existência de um “princípio único" para essa natureza primordial.
● É
o primeiro que procura uma causa material para a criação do universo, prioriza
a explicação racional em detrimento da mítica.
●
Para Tales o princípio de tudo, o arquê (ou arché - arch), era a água.
Seria a água a origem de todas as coisas (70% da superfície da terra é água,
70% do nosso corpo é água, 83% do nosso sangue é água). Originalmente tudo
estaria coberto de água a qual evaporaria e faria com que as coisas
aparecessem. Se a ideia é absurda, vale lembrar que hoje afirmamos que a vida
começou na água.
●
Curiosidade: a previsão de um eclipse (28.05.585 a.C.), de uma boa colheita
através da qual ele enriqueceu (Política, Aristóteles) e o detalhe de sua morte
(Teeteto, Platão).
● É
considerado um dos sete sábios da antiguidade (juntamente com Periandro, Pítaco,
Bias, Cleóbulo, Sólon e Quílon), por sua luta em criar uma confederação na Ásia
Menor, visando fortalecer o mundo helênico contra os orientais, segundo
Heródoto.
ANAXIMANDRO
DE MILETO (610 – 547 a .C.)
Foi
discípulo de Tales. Geógrafo, matemático, astrônomo e político. Anaximandro
acreditava que o princípio de tudo é uma coisa chamada ápeiron, que é algo
infinito, tanto no sentido quantitativo (externa e espacialmente), quanto no
sentido qualitativo (internamente). Esse a-peiron é algo insurgido (não surgiu
nunca, embora exista) e imortal.
● É
o primeiro a escrever um livro sobre a natureza, a traçar um mapa geográfico, a
afirmar que a terra era esférica e o primeiro a usar o termo princípio (arché,
arkhê). Aperfeiçoou o relógio de sol babilônico e o introduziu na Grécia.
● O
universo é decorrência de modificações ocorridas no ápeiron (uma substância
infinita, ilimitada), o qual teria movimento eterno e ocasionaria a separação
dos opostos. Para Nietzsche é o infinito, para Aristóteles é o divino, o imortal
e imperecível. Outros pensadores vêem como o caos primitivo, uma massa
indeterminada da qual proviriam todas as coisas. Para Werner Jaeger,
Anaximandro fala do crescimento das coisas umas à custa das outras.
ANAXÍMENES DE MILETO (585 – 528 a .C)
Concordava
com Anaximandro quanto ao a-peiron, e com as características desse
princípio apontadas por Anaximandro. Mas postulou que esse a-peiron fosse
determinado pelo ar.
●
Concorda com Anaximandro quanto à indefinição da substância fundamental, mas
afirma que ela é determinada pelo ar (pneuma ápeiron). Todos os seres vivos do
mundo necessitam do ar para viver. O universo seria resultado das
transformações de um ar infinito, possivelmente deduziu isto a partir da
fábrica de feltro em grande expansão na época naquela região. Tudo se produz
através de rarefação e condensação.
● É
o primeiro a afirmar que a lua recebe sua luz do sol.
PITÁGORAS
DE SAMOS (do grego Πυθαγόρας)
Foi
um filósofo, matemático e religioso que nasceu em Samos no ano de 580 a .C. e morreu em 497
a .C. em Metaponto. Pitágoras foi o fundador de uma
escola de pensamento grega chamada em sua homenagem de pitagórica.
●
Pitágoras foi matemático, filósofo, religioso, músico e político, nada
escreveu. Para ele todas as coisas são números. O número nasce da divisão da
unidade. A extensão do universo (pneuma ápeiron) seria descontínua, separada
por intervalos, os números não são somente símbolos, são reais, são a “alma das
coisas”, unidades corpóreas contíguas. As coisas manifestam externamente a
estrutura numérica que lhes é inerente. O número não é apenas unidade
quantitativa, mas tem também uma forma, uma figura, por isto os números são os
princípios que se encontra em toda a natureza.
●
Pela música se alcança a harmonia da alma e se une os elementos discordantes.
● O
número exprime o tempo e o espaço.
XENÓFANES
DE CÓLOFON (570-475 a .C.).
Tradicionalmente
não figura entre os filósofos jónicos e nem entre os eleatas, os filósofos das
colônias da Magna Grécia. O elemento primordial para ele é a terra, pois
tudo o que existe começa na terra e tudo volta para a terra, tanto animais
quanto plantas. “... tudo sai da terra e tudo volta à terra...”
● Combatia ao antropomorfismo, dizendo que se
os animais tivessem o dom da pintura eles iriam pintar seus deuses com formas
animais. Ele queria com isso mostrar que o verdadeiro deus é único, absoluto e
tem pouca semelhança com os homens, com seus pensamentos ou com as diversas representações
feitas dele.
● Xenófanes viajou por diversos lugares das
colônias gregas itálicas e recitava seus poemas como um filósofo andarilho.
Além de criticar o antropomorfismo, ele defendia a sabedoria e os prazeres
vividos socialmente, mas sem excessos.
● Destaca como moralmente superiores os valores
da inteligência e da sabedoria sobre os valores da força física, que era muito
valorizada pelos gregos da época e tinha no atleta o seu representante.
●
Seus escritos são clara oposição às ideias naturalistas ou cosmológicas dos
filósofos de Mileto, pelo que teria influenciado o pensamento de Parmênides.
HERÁCLITO
DE ÉFESO (540 – 470 a .C.
em Éfeso, na Jônia)
Filósofo
pré-socrático, recebeu o cognome de "pai da dialética". Problematiza
a questão do devir (mudança). “Não cruzarás o mesmo rio duas vezes, porque
outras são as águas que correm nele.”
●
Tinha descendência real, orgulhoso desprezava a plebe e ficou conhecido como o
obscuro. Existe nas coisas uma lei universal (logos = razão) e fixa que rege
todos os acontecimentos e fundamenta a harmonia universal, harmonia dos
contrários, feita de tensões, pois a natureza ama e sintetiza os contrários
(harmonia). Apresenta-se como mensageiro do logos.
●
Impressionou-se pelo devir: tudo se transforma “em rio não se pode entrar duas
vezes no mesmo” (frag. 91) e o fogo é o exemplo mais apropriado do devir, pelo
fogo se pode explicar os diversos fenômenos do universo. Tudo proveio do fogo e
tudo retornará ao fogo (big bang?).
●
Para Hegel e Nietzsche, ele proclama que não há o ser, somente o devir, mas há
quem diga que não se trata de um devir do ser, mas de um devir no ser.
● O
homem pode tornar-se feliz, bom e sábio se procurar unir-se ao logos,
percorrendo a via ascendente (verdade) e não a via descendente (prazer). Se
seguir a via descendente ao morrer cessa de existir, se seguir pela via
ascendente se unirá ao fogo eterno. Por isto o homem é responsável pelo próprio
destino.
PARMÊNIDES
DE ELÉIA (530 – 460 a .C.)
Nasceu
em Eléia, hoje Vélia, Itália. Foi o fundador da escola eleática. Afirmou:
“O Ser é e o Não-Ser não é”.
●
Desloca a reflexão do âmbito cosmológico para o ontológico, não se trata de
saber da origem do ser, mas de saber como podemos conhecer o ser (uno, completo
e eterno). O ser é indissociável do pensar.
●
Diz-se que foi discípulo do pitagórico Amínias. Põe-se contra o dualismo
pitagórico e contra o mobilismo heraclitiano. Foi o primeiro filósofo que
procurou esclarecer a noção de ser. O ser é a única realidade, somente o ser
existe, é. Ou uma coisa é ou não é. Se é, não pode vir-a-ser, porque já é. Se
não é, não pode vir-a-ser, porque do nada não se tira nada.
●
Ser e pensar são a mesma coisa, pois sem o ser no qual o pensar se expressa,
não há pensamento. O não-ser não é pensável. O ser é imperecível e imóvel.
ANAXÁGORAS
DE CLAZÔMENA (500 - 428 a .C.)
Fundou
a primeira escola filosófica de Atenas, contribuindo para a expansão do
pensamento filosófico e científico que era desenvolvido nas cidades gregas da
Ásia. Era protegido de Péricles que também era seu discípulo. Em 431 a .C. foi acusado de
impiedade e partiu para Lâmpsaco, uma colônia de Mileto, também na Jônia, e lá
fundou uma nova escola. Afirmava que o universo se constitui pela ação do Nous
(νοῦς), conceito que geralmente é traduzido por espírito, mente
ou inteligência.
●
Para Anaxágoras os corpos compõem-se de homeomerias (sementes, parte
qualitativamente semelhante): tudo está em tudo. Esta teoria é próxima de
teoria molecular. No universo nada se cria e nada se destrói porque o número de
homeomerias permanece o mesmo.
● A
grande descoberta de Anaxágoras é a chamada Mente Suprema (nous). Era uma
realidade de ordem superior, independente dos corpos e infinita, ela é a causa
da ordem e da disposição do universo.
●
Para ele a substância é divisível até ao infinito e não compartilha nem com a
imobilidade dos eleatas e nem com o devir absoluto de Heráclito.
●
Foi Anaxágoras quem levou a filosofia à Atenas e exerceu grande influência no
pensamento de Sócrates.
EMPÉDOCLES
DE AGRIGENTO (490 — 435 a .C.)
Foi
um filósofo, médico, legislador, professor, místico além de profeta, foi
defensor da democracia e sustentava a idéia de que o mundo seria constituído
por quatro princípios: água, ar, fogo e terra.
●
Filósofo, médico, mago e político. Apresenta-se como um exilado dos deuses e
mensageiro destes. Entre as anedotas que se conta ao seu respeito está a de ter
ressuscitado uma mulher que não respirava havia trinta dias. Uma lenda diz que
morreu ao se atirar na cratera do vulcão Etna.
●
Aos três elementos precedentes (Tales, água; Anaxímenes, ar e Heráclito, fogo)
acrescentou o elemento terra: dela nascem e a ela retornam os seres vivos. Os
quatro elementos são imutáveis, homogêneos e não se modificam nunca nas
combinações. Partículas de um elemento podem penetrar em outro elemento. O amor
une os elementos e o ódio os divide, na luta entre estas duas forças
encontra-se o devir.
●
Demonstra ter influência órfico-pitagórica, para ele o homem é um ser errante
nesta terra onde expia as faltas da vida anterior. Atribuía grande importância
à metempsicose e via o conhecimento como reminiscência.
DEMÓCRITO
DE ABDERA (460 - 370 a .C.)
É
tradicionalmente considerado um filósofo pré-socrático. A fama de Demócrito
decorre do fato de ele ter sido o maior expoente da teoria atômica ou do
atomismo.
●
Demócrito ficou conhecido na antiguidade como a mente mais universal dos
pré-socráticos e por seu sorriso contínuo. Ele sustenta a imutabilidade do ser
e também a realidade do vir-a-ser, isto porque a realidade é constituída de
átomos (a-tomo = não divisível: infinito número de corpos,
invisíveis pela pequenez e pelo volume, incriados, indestrutíveis e imutáveis;
semelhante às homeomerias de Anaxágoras, porém sem diferenças qualitativas). Do
entrechoque dos átomos nasce o devir. Átomos, vazio e movimento constituem a
explicação de tudo. Até os deuses, a terra e alma são constituídos de átomos.
●
Sustenta a impossibilidade do não-ser, diz que o nascer é o agregar-se e o
morrer o desagregar-se de coisas já existentes. Um átomo diferencia-se do outro
pela forma, pela ordem e pela posição, os quais podem variar ao infinito. Os átomos
não são perceptíveis pelos sentidos, somente pela inteligência.
●
Realizou numerosas viagens e adquiriu uma vasta cultura, em diversos campos,
talvez a maior cultura alcançada por um filósofo até aquele momento.