quarta-feira, 22 de junho de 2011

O problema ético

A ORIGEM DO TERMO
 A palavra ética vem do grego ethos, o qual poderia ser escrito de duas maneiras: hthos = costume, hábito (ou habitat*); ethos = temperamento, caráter.
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* Diz-se que inicialmente ethos era uma espécie de curral, onde as ovelhas ficavam à noite e por isso ficou vinculada à idéia de proteção, guarida.

A ORIGEM DA ÉTICA
 Quando a ética surgiu ela se assemelhava à política: política era a arte de viver bem em comunidade e ética era a arte de viver bem consigo mesmo (consciência tranqüila).
O SIGNIFICADO
 A ética é uma reflexão crítica acerca dos valores de nossas ações (boas/más, corretas/errôneas).
 Embora seja utilizada como sinônimo de moral, pode-se diferenciá-las com se ética fosse a teorização acerca dos valores e moral (mores = costume) a ação moral.
CONSCIÊNCIA MORAL
 À nossa tendência espontânea de julgar as ações e classificá-las dá-se o nome de consciência moral.
 A consciência moral une juízos de fato e de valor.
 Juízos de fato: aquilo que é; que ocorre.
 Juízos de valor: aquilo que deveria ser; deveria ocorrer.
 A ética do “dever ser” chama-se deontológica.
PRESSUPOSTOS DA AÇÃO ÉTICA
 Uma ação só poderá ser caracterizada como ética ou não se for realizada com:
 Liberdade: ação livre e sem constrangimento ou coação.
 Autonomia: o agente tem plenos poderes de compreender sua ação.
 Responsabilidade: capacidade de responder diante de si e dos outros pela ação efetuada.
CONCEPÇÕES ÉTICAS
 A ética pode ser entendida como fruto histórico-social e por isso diferente conforme o tempo e o lugar.
 OS SOFISTAS, defendiam que os valores surgiam das convenções e não da natureza humana; o homem é a medida de todas as coisas.
CONCEPÇÕES ÉTICAS
 SÓCRATES, discorda dos sofistas e defende que há valores universais baseados na essência do ser humano.
 A essência do ser humano é a razão e a essência da razão é a busca do bem.
 O bem é o conhecimento e o mal é a ignorância (racionalismo ético).
CONCEPÇÕES ÉTICAS
 PLATÃO e ARISTÓTELES, concordam com Sócrates quanto ao racionalismo ético e afirmam que o agir ético do homem se funda na natureza.
 O ser humano tem, por natureza, um “princípio norteador” que permite distinguir o bem do mal.
CONCEPÇÕES ÉTICAS
 O dualismo platônico o conduz à convicção de que o bem está no mundo das idéias.
 Aristóteles, não é dualista; discorda de Platão e defende que o homem real, concreto tende para a felicidade (sumo bem) e a ética deve ajudar o homem a ser feliz (ética eudaimonista).
CONCEPÇÕES ÉTICAS
 O eudaimonismo defende que a busca da felicidade deve ser o fundamento da conduta moral.
 É bom tudo aquilo que leva à felicidade de espírito.
 Segundo Aristóteles a ética é uma parte da política. Ética é viver bem individual e política é viver bem com os demais.
CONCEPÇÕES ÉTICAS
 Para Aristóteles a felicidade é uma vida vivida conforme a virtude.
 Virtude é a “justa medida” entre dois excessos: a falta e o excesso.
 É a ética da harmonia, do equilíbrio, da justa medida, do bom senso.
 Virtude > virtus > força > autodomínio.
HELENISMO
 Helena é um dos nomes da Grécia. Helenismo = viver como os gregos.
 Alexandre Magno conquistou muitos lugares e divulgou o modo de vida dos gregos.
 A Grécia perdeu sua autonomia; a polis deixa de ser o plano de fundo que propicia a felicidade ao homem.
Helenismo
 Sem a referência à polis o homem tem de buscar a felicidade dentro de si.
 As escolas dessa época têm uma visão intimista e individualista da moralidade.
 Exaltam o equilíbrio como forma do homem ser senhor de si.
HELENISMO - cinismo
 O cinismo desprezava todas as convenções sociais.
 O maior representante é Diógenes de Sinope (413-323 a.C.);
 A virtude só seria obtida eliminando-se da vontade todo o supérfluo, tudo aquilo que fosse exterior.
 Defendiam um retorno à vida da natureza, errante e instintiva, como a dos cães: sem preocupar-se com conforto, luxo e prazeres.
Helenismo - estoicismo
 Para o estoicismo (stoá = portão) o objetivo da ética era levar o homem a encontrar a felicidade através da apatia (ausência de paixões). Anacoretas, eremitas, monges budistas.Êxtase, nirvana.
 Apatia = aceitar pacientemente tudo o que acontece, pois faz parte do plano divino.
 Desprezar toda forma de prazer e ser insensível aos bens do mundo.
Helenismo - epicurismo
 Já o epicurismo defende a ataraxia (= imperturbabilidade).
 A virtude é o prazer espiritual, a paz de espírito e o autodomínio.
 Há que se diminuir toda influência externa sobre o bem-estar do espírito.
 Foi fundado por Epicuro (341-270 a.C).

Ética medieval
 A idade média é marcada pelo pensamento teológico e a ética está sob a normas religiosas.
 O cristianismo aceitou bem a moral estóica: anular as paixões, libertar-se do egoísmo e ser indiferente às contingências da condição humana.
Ética medieval - cristianismo
 Pregam a ascese espiritual = fortalecer o espírito pela mortificação do corpo, jejum, abstinência e autoflagelação. Opus Dei.
 A ascese visa o autodomínio e o equilíbrio tornando o indivíduo mais sensível e solidário.
 Essa tendência durou até o século XIII, quando a ética eudaimonista foi assumida pelo cristianismo.
 A suprema felicidade é contemplar Deus, na vida eterna.
Ética medieval - cristianismo
 O homem virtuoso (bom) tem o temor de Deus.
 O motivo da ação é uma imposição externa (fazer a vontade divina).
 Estoicismo + aristotelismo + vida eterna + vontade de Deus = moral cristã.
A moral dos modernos
 Baruch Spinoza (1632-1677) discordando de Aristóteles (inserção na polis) e do Cristianismo (temor de Deus) retoma a relação do indivíduo com a natureza.
 Temos, por natureza, paixões, as quais não são boas e nem más (alegrias, tristezas e desejos).

Ética moderna - Spinoza
 Paixão alegre = amor, esperança, (desejo: gratidão).
 Paixão triste = ódio, inveja, (desejo: crueldade).
 Virtude é a causa interna de atos e pensamentos (força).
 Vício submeter-se às paixões e dominar-se por causas externas (fraqueza).
Ética moderna - iluminismo
 A razão orienta o homem rumo ao cumprimento do seu dever.
 O homem tem dentro de si as normas para a própria conduta (autonomia).
 Só ações autônomas podem ser ou não éticas.
 A ação feita sob vontade externa é heterônoma (anel de Giges).
 Kant e Rousseau tentam resolver a questão da compatibilidade de dever e liberdade.
Ética moderna - Rousseau
 Nascemos com consciência moral; somos bons e justos por natureza (o bom selvagem).
 A bondade e o dever foram gravadas pelo dedo de Deus em nossos corações.
 O dever não aniquila a autonomia da razão, pois só na aparência é imposição externa.
 Quando nos curvamos ao dever obedecemos nossos próprios sentimentos.
Ética moderna – Kant
 Opõe-se à moral do coração de Rousseau. Bondade natural é romantismo, predomínio da imaginação.
 Somos naturalmente egoístas e o dever é necessário para que nos tornemos seres morais.
 A razão é universal e visa sempre a finalidade da ação.
 A razão entende que a idéia de dever é expressão da lei moral em nós.
 “Duas coisas enchem a mente de assombro e reverência: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”.
Ética moderna – Kant
 Uma ação é ética quando vontade e dever estão de acordo. Chama-se vontade boa = querer o bem.
 O fundamento da moralidade para kant é a liberdade = autonomia da vontade.
 No livro Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant afirma que nossas ações são feitas por: 1) Intenção egoísta, 2) Inclinação imediata ou 3) por dever.
 Cabe reprovação a ação contra o dever e até a ação conforme o dever.

Ética moderna - kant
 O dever é um conjunto de normas fixas que vale para todos os seres racionais.
 O dever se impõe, é imperativo e ele distingue “mandamento” de “imperativo”.
 O imperativo categórico é um dever, uma lei, porém internalizado.
Kant – imperativo categórico
 1 – Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por tua vontade em lei universal de natureza.
 2 – Age de tal maneira que trates a humanidade, na tua pessoa e na pessoa dos outros, sempre como fim e nunca como meio.
 3 – Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei universal para os racionais.
Moral e existência
 Kant acentua a liberdade de forma universalista, abstrata e formal.
 Hegel vê a ética ligada ao contexto histórico-cultural.
 Marx diz que os valores éticos decorrem das relações sociais no mundo trabalho.
 Nietzsche combateu a domesticação feita pelo cristianismo: aceitação do sofrimento, moral de rebanho, moral dos fracos, etc.
 Kierkegaard valoriza a existência individual com suas paixões.
Moral contemporânea
 A moral moderna (iluminista) preconiza a razão autônoma.
 Para alguns contemporâneos a razão pode também ser instrumento de opressão e máscara de ideologias.
 O individualismo e a ausência de critérios marcam a ética contemporânea.

Moral contemporânea
 A atomização aponta a perda de sentido da totalidade da vida humana (Hans Jonas: “princípio responsabilidade”).
 Tende-se a recolocar a ética sobre bases religiosas: fundamentalismo e esoterismo.
 A variedade de fundamentações remete ao relativismo moral.
Moral contemporânea - Habermas
 A Escola de Frankfurt se ocupa com a crise da razão e busca combater o irracionalismo recuperando a razão emancipadora, defendendo o pluralismo e a tolerância.
 Habermas desenvolve a teoria da ação comunicativa e dentro dela a ética discursiva.
Moral contemporânea - Habermas
 Mesmo sendo kantiano, Habermas vai além da razão reflexiva e desenvolve a razão comunicativa.
 A razão kantiana é monológica e em Habermas, ser sujeito moral pressupõe diálogo, interação mediante a linguagem, o discurso.
Moral contemporânea - Habermas
 Na razão discursiva os sujeitos são capazes de se posicionarem perante a norma e a validade normativa deriva do consenso, da intersubjetividade.
 Dá-se a interação pelo entendimento entre os indivíduos.
 Defende-se a sociabilidade, a cooperação, a solidariedade e o diálogo.
Determinismo e liberdade
 Para Kant é um engano nos considerarmos com liberdade absoluta (princípio do determinismo = tudo está sujeito à lei de causa e efeito).
 O ser humano está preso a determinismos naturais, culturais, econômicos, emocionais, etc. (Hegel).
Determinismo e liberdade
 Piaget admite indiretamente os determinismos quando afirma que não há como uma inteligência normal não passar por estágios (construtivismo).
 A atividade psíquica dá-se do concreto para o abstrato.
 Além dos determinismos psicológicos há os culturais, pois encontramos um mundo moldado que irá nos determinar.
Determinismo e liberdade
 Temos liberdade? O ser humano não é só resultado da situação estabelecida, mas pela consciência pode realizar ações transformadoras, tendo um projeto próprio de ação. Na prática constrói sua liberdade proativamente.
 Como o vento e o mar são utilizados pelo velejador, assim também o homem deve ter uma imaginação criativa e inventiva. A existência do determinismo é a possibilidade da inovação.
Determinismo e liberdade
 Além da consciência lógica, temos uma consciência moral, a capacidade de formular juízos.
 Temos a condição de escolha e essa possibilidade chama-se liberdade.
 A escolha entre o bem e o mal é a responsabilidade.
Quando somos livres?
 Determinismo absoluto: liberdade é uma ilusão, pois sempre somos determinados pela natureza e pela cultura.
 Liberdade absoluta: determinismos não existem, temos liberdade moral de escolha e de ação, temos autodeterminação (Nietzsche, Sartre, Camus, Heidegger e Merleau-Ponty).O homem está condenado a ser livre; a existência precede a essência.
Quando somos livres?
 Relação dialética: o homem é determinado e livre ao mesmo tempo; A liberdade é concreta dentro de um contexto.
 Liberdade é a compreensão da necessidade; podemos transformar entraves em liberdade (Spinoza, Kant, Hegel e Marx).