sábado, 11 de outubro de 2008

O homem é bom ou mal, por natureza?

Todos nós queremos viver conforme pensamos, mas não pensamos conforme queremos. Nossos pensamentos trazem consigo uma infinidade de influências e são frutos de muitas situações que chegam até nós sem o nosso prévio consentimento. Trazemos a carga genética de nossa hereditariedade, trazemos influências da gestação de nossa mãe, trazemos traços do ambiente onde crescemos e da maneira que fomos educados (ou domesticados), trazemos resquícios da personalidade e do “jeitão” de nossos pais, irmãos, tios, vizinhos, colegas de estudo e de trabalho, trazemos influências dos meios de comunicação, das idéias que a sociedade define como valiosas, enfim vivemos da maneira que os outros querem que vivamos (lembre-se do Mito da Caverna, livro VII, da República de Platão) e achamos que estamos vivendo de acordo com nossos pensamentos, acreditando ter autonomia sobre nossa vida, pensamentos e ações. Ortega y Gasset nos diz que o homem é ele e suas circunstâncias e Schopenhauer nos diz que o homem pode fazer o que quer, mas não pode querer o que quer.
Outro dado relevante, para o assunto em questão é a consistência de nossos pensamentos. Quantas vezes ouvindo um político de um partido qualquer acabamos concordando com seu discurso, mais tarde ouvindo outro de um partido adversário também damos razão a este último. Quantos de nós, ao termos os primeiros contatos com filosofia e aprendermos algo de Platão concordamos com ele numa série de pontos, mais adiante conhecendo Aristóteles acabamos concordando com Aristóteles nos mesmos pontos que ele discordava de Platão. E isto se repete com racionalismo e empirismo, assim como vemos coerência nos conceitos de Descartes e mais adiante concordamos com Kant e depois com Hegel e por fim pensamos: como posso concordar com todos se eles discordam entre si? Outras vezes nos vemos discordando de tudo, da ciência, da religião, dos meios de comunicação, de nossos amigos e, há até, algumas vezes, discordando de nós mesmos e nos perguntando: como fui agir desta maneira, nem eu me entendo?
Com isto podemos dizer que a questão da antropologia natural, que de um lado vê a maldade implícita na natureza humana e de outro lado a vê como sendo boa, têm, ambas, as suas razões e se torna difícil estabelecer um parâmetro de referência que possibilite uma análise o mais imparcial possível.
Faz-se necessário levar em conta, antes de qualquer coisa, a história pessoal de cada pensador, que defende uma ou outra posição, bem como o contexto, a realidade de ambos. Certa vez um professor afirmou que pensamos com as nádegas e após nossas gargalhadas ele retomou sério o seu discurso e esclareceu: quando sento na cadeira do diretor, penso como diretor; ao sentar-se na cadeira do empregado, penso como o empregado. Certamente nenhum dos pensadores tomou a posição que tomou sem ter sofrido influências externas e com certeza cada um tinha em mente homens (ou naturezas concretas, através das quais chegaram a idéia universal) diferentes, os quais serviram de protótipos para suas análises.
Vejamos Hobbes. Para ele, a primeira lei natural do homem é a da autopreservação, que o induz a impor-se sobre os demais; por isso, a vida seria uma "guerra de todos contra todos", na qual "o homem é o lobo do homem".
De outro lado vemos John Locke, o qual nasceu numa família anglicana de tendências puritanas, estudou humanidades, interessou-se pelas ciências da natureza e pela medicina. Locke usufruiu todo tipo de honraria e consideração, o que lhe permitiu dedicar-se à publicação de suas obras.
A aceitação que um e outro tiveram pela sociedade da época foi diferente e, portanto, é de se esperar uma diferença entre a maneira de cada um deles compreender a realidade, assim como aconteceu com Hume, Montesquieu, Rousseau, e outros.
Se optar por uma determinada concepção, logicamente sou levado a isto pela maneira que concebo o mundo. Porém, tendo de viver conforme penso, ou seja, construir minha autonomia, vejo a natureza boa do homem como sendo a que mais corresponde à ordem natural do mundo. Todas as criaturas têm em si um telos, uma finalidade. A própria natureza vegetal e animal busca desempenhar esta finalidade da melhor forma possível, caminhando para a perfeição e a perfeita harmonia. Sendo o homem, o animal mais desenvolvido, mais capaz, o único que se privilegia da razão, porque teria ele, e somente ele, de fugir desta ordem natural estabelecida no mundo? Tudo evolui para um sentido bom, todas as coisas procuram a preservação da vida e da espécie, somente o homem já traria consigo uma ordem má? E se o homem buscasse o mal, não procuraria o mal para si, mas para o outro e somente procuraria este mal, pensando no bem dele, então o homem não seria de todo mal, ele seria bom para consigo mesmo.
A maior prova que o homem nasce bom está no homem quando nasce. Ele é incapaz de fazer o mal. É na convivência com os maus que, muitas vezes, se acaba assimilando aquele comportamento. Porém, aqui vale observar, que nem sempre o convívio com os maus corrompe os bons. Temos vários exemplos de homens que foram vítimas do mal e conseguiram superar isto de uma forma sublime. Se o mal persiste deve-se ao comodismo dos bons (Leão XIII).
Apesar de parecer que trato de um tema geral abordando comportamentos individuais, no fundo o que quero resgatar é a natureza concreta do ser humano. Poderíamos, seguindo a linguagem tecnológica e industrial, afirmar que se alguém é mau, é por um “defeito de fábrica” e não de uma “característica do produto”.
Sendo que o homem é ele e suas circunstâncias (Ortega y Gasset), ele poderá ser conduzido a viver como lobo ou como anjo, uma vez que não se pode querer o que se quer. Mas, acredito que o bem sempre há de prevalecer, pois assim como a treva some quando a luz se faz presente, o mau some quando o bom prevalece.

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